Thursday, February 15, 2007

Confissão

Ok, ok, OK!!! Amigos de várias décadas, anos, meses, amigos muito próximos, distantes, ou mesmo colegas. Amigos da escola, faculdade, da rua ou do trabalho, amigos em contatos e aqueles que estão somente na memória, a todos eu tenho uma confissão. Agora, depois de 28 anos de existência estou preparado para admitir que tenho um grande defeito: eu não bebo!

A todos os que não me conhecem vale a explicação: a confissão não está no fato de eu não beber. Isso sempre foi público, notório e, de certa forma, dito e redito de forma orgulhosa perante àqueles que sempre sonharam em me ver de pileque - e são tantos... A confissão, como você, se for inteligente, já deve ter notado, está no fato de hoje eu ver isso como um defeito.

A verdade é que essa condição, que já dura quase 3 décadas, me tornou mais "careta" do que meu próprio pai - um inspetor de polícia, com quase 30 anos de serviços prestados à sociedade e à Ambev. Não foi uma nem duas vezes que eu o vi coçar a testa e balançar a cabeça em reprovação, ao me ver negar uma latinha, quando ele esvaziava mais uma junto com os meus camaradas. Enquanto isso eu ficava nos inocentes goles de refrigerante.

Essa vida de abstemia, me rende momentos inenarráveis que só a observação sóbria, em meio aos excessos dos bêbados do meu coração, me permite registrar com devida clareza, faz de mim um porto seguro a todas as horas e tal. O problema é quando essa minha pouca vocação ao álcool começa a afetar a minha credibilidade.

Seja honesto: agora que você descobriu que eu não bebo, meu texto perdeu 90% da sua contundência, não perdeu? Tornei-me um sujeito inofensivo e de contestações regadas a Nescau, um verdadeiro George Mcfly (para quem não lembra, assista De Volta para o Futuro). Eu, por exemplo, jamais dividiria uma mesa em Ipanema com Tarso de Castro, Roniquito de Chevalier, Mielle, Mário de Almeida, Jaguar, e demais figuras dos melhores debates úteis e inúteis que a zona sul do Rio de Janeiro já produziu. Jamais seria convidado para escrever no saudoso O Pasquim, em seus tempos de glória - e daí que eu sou publicitário? Por acaso você acha que Tarso de Castro fez faculdade de jornalismo, seu merda?

Minha abstemia me afasta desse time e me coloca em paridade com os inofensivos formadores de opinião destes tempos de merda que vivemos hoje: os engomados e insôssos William Bonner, Hélter Duarte e o mané que parece o Tom Cavalcanti e que comanda o Jornal Hoje, cuja mínima expressividade me impede de sequer lembrar seu nome. Um bando de manés com a latinha nas mãos e que não fazem absolutamente nada com o poder que têm, nessas baboseiras de jornalismo imparcial e pluralista. Alguém ainda acredita nessas de serviço à comunidade, partindo da tal "isenção"? ONDE ESTÁ A OPINIÃO?!

Bom... vou terminar de beber a minha Heineken e pensar no que ainda pode ser feito.

A conspiração de Popeye

As crianças pré-Youtube, entre as quais me incluo, também tinham certo poder de escolha. Podíamos montar nossos playlists a partir de um time poderoso de desenhos animados, distribuídos em três ou quatro canais. Gostava muito e ainda gosto do Perna-Longa, sempre tirando todo mundo pra louco, do Pica-Pau, baita debochado, e da Caverna do Dragão, apesar de me irritar aquele unicórnio-jumento, sempre fazendo alguma cagada que atrasava a turma justamente quando todos estavam prestes a fugir daquele mundo bizarro.

No entanto, outras atrações passavam batidas. Não me convencia nenhum exemplar da trupe criada por Hanna-Barbera (que, admito, só há pouco descobri se tratar de uma dupla e não de uma tia sem talento pra coisa). Mas detestava mesmo era o Popeye. Uma mulher mala, esquisita, mal-vestida e magricela era o motivo para que Brutus e o Popeye vivessem se esmurrando. Não que eu tivesse um senso de beleza muito desenvolvido. No entanto, eu via na telinha Xuxa, Mara-Maravilha e Angélica. E Olívia Palito, meus amigos, estava muito longe, esteticamente falando, daquelas musas-mirins voluptuosas (que, aliás, eram tão malas quanto a tripa seca).

Popeye começou em 1933 e é exibido até hoje. Nesse meio tempo, o padrão estético mudou um bocado. Na verdade, emagreceu muito. As modelos esqueléticas, sem cérebro, com caras esquisitas e, pasmem, roupas estranhas, passaram a ser o objeto de desejo e fascínio de homens e mulheres do mundo inteiro. Uma geração nascida justamente no fatídico período de exibição das aventuras do marinheiro.

Percebeu a conspiração? Popeye foi a arma elementar da indústria da moda para nos convencer a idolatrar mulheres como Olívia Palito! Ao invés de comer feito bicho o tal espinafre miraculoso, Popeye deveria alimentar aquela desnutrida. Você já viu Olívia Palito encher a barriga em algum episódio? Pois é, está aí, Popeye e Brutus se matavam por causa de uma anoréxica.

Eis o poder de uma simples animação na formação dessa linda sociedade neoliberal. Agora imagina o que algo como Rebeldes fará à nossa civilização nas próximas décadas... Pensando bem, Popeye não é tão ruim assim.

Wednesday, February 14, 2007

A peça que nunca termina

A cronologia de uma tragédia no Brasil é ofensivamente previsível. Em um dia qualquer, os parâmetros do grotesco e da desumanidade, já absurdos no país, são ultrapassados. A barbárie contra um inocente como João Hélio desperta o clamor generalizado por justiça ou até mesmo por vingança. A polícia trabalha de verdade e caça todos os culpados. A caminho da cadeia, os bandidos são hostilizados, em cena devidamente filmada pelos grandes canais de televisão. Autoridades declaram que medidas enérgicas serão tomadas. Os parentes da vítima estão no Jornal Nacional. Em pouco tempo, chegam a Brasília pedindo soluções. O roteiro chega ao seu ápice: políticos compenetrados apertam mãos selando pacotaços e outros remendos à lei.

As novas medidas são comemoradas como vitória da democracia. A população e algumas celebridades globais vestem branco, saindo às ruas. A mídia apóia com alta dose de emotividade e sensacionalismo, celebrando os esforços pela paz. Alguns meses depois, a polícia ou até os próprios presidiários matam na cadeia alguns dos bandidos. Os pacotaços e as leis caem no esquecimento, sem sequer terem sido aplicados uma única vez.

Mesmo em casos como esse, de repercussão pública, esse ciclo de violência e morte é apresentado como algo breve. Não acredite nisso. Este ciclo nunca acaba porque é mais do que um ciclo. Não tem início ou final. É uma peça trágica, encenada todos os dias, todas as horas, todos os minutos. Nessa tragédia se repetem os mesmos personagens, as mesmas vítimas, os mesmos culpados e as mesmas falhas de script. Infelizmente, apenas o cenário muda sem parar. O cenário é o Brasil do passado. É o Brasil do presente. É, cada vez mais, o Brasil do futuro.

Friday, February 09, 2007

Trote

Eles estão na vanguarda da moda. Eles dirigem carros possantes e equipados. Eles serão os primeiros a comprar o Iphone. Eles estão nas festas mais badaladas. Eles provam as mais novas e potentes drogas sintéticas. O mundo é desenhado para eles e eles pincelam esse mesmo mundo. Eles marcam seu ingresso na vida adulta com grande estilo. Na universidade, a grandeza vindoura de suas vidas é demonstrada logo de cara, no trote. Por isso, não poderiam ser apenas brincadeirinhas bobas. Até parece. Não...eles têm estilo, fazem do trote um evento memorável.

Na última segunda-feira, em São Paulo, na Unicid (Universidade Cidade de São Paulo), sua criatividade mostrou toda a força. Vinte e oito calouros foram amarrados uns aos outros e obrigados a caminhar até a estação de metrô ouvindo insultos e sofrendo agressões. Genial, não? Impressionante que os veteranos, nem mesmo formados ainda, tenham conseguido realizar algo tão inteligente.

Quando todos pensaram que não haveria como tornar melhor a festa, uma idéia surge. Eles começam a cortar as roupas das meninas do grupo de calouros. Uma delas fica completamente nua. Ela tem 17 anos, chora, ouve xingamentos, é chamada de prostituta pela horda de excêntricos intelectuais. Implora para que parem, grita por ajuda, clama por seus pais. Não adianta, ninguém ouve. Apenas gritam, comemoram, riem.

Cretinos da pior espécie? Não. Cidadãos do futuro. Médicos, advogados, arquitetos. Os mesmos que um dia terão filhos como a adolescente que teve as roupas arrancadas. Os mesmos a quem não será dado o direito de derramar uma lágrima sequer ao consolar a filha que foi destruída no momento de maior alegria de sua vida.

Thursday, February 01, 2007

A pergunta

Há cerca de dois anos, realizei meu sonho de vida: conhecer a Patria Guia, Cuba. Mas hoje eu tenho uma pergunta.

Me tornei comunista ainda na pré-adolescência e já na quinta série era capaz de lecionar sobre a história da China e de Cuba, falar dos discursos de Marx e Lênin com maior propriedade que meus professores. Tinha sempre uma camisa vermelha por debaixo do uniforme do colégio e uma foto de Guevara em todos os cadernos. As épocas de maior excitação não eram exatamente os tempos de olimpíadas escolares, mas a época de militância e das passeatas Fora Collor por todo o Rio de Janeiro. Agora, a pergunta não me sai da cabeça.

Evidentemente, é de se imaginar que eu não era o tipo mais popular na escola. Minha aparência franzina e de ombros pesados, meus óculos e minha inseparável boina, com foto de Guevara bordada eram motivos de aversão e piadas. Enquando meus contemporâneos, cultuavam idolatria à ícones vazios, como Axl Rose e cia, eu seguia meus líderes vivos: Fidel Castro e Leonel de Moura Brizola - o maior estadista que este país já conheceu. Meu "colegas" me sacaneavam, escondiam meus óculos, e jogavam cocô em mim. Apesar de não ser negro, meu apelido na escola era Miréia. No fundo, devo confessar que gostava do apelido, porque a gazela negra das quadras internacionais de vôlei era também um símbolo do sucesso e do heroísmo da Pátria Guia, Cuba, contra os porcos Yankees. Mas o problema é a pergunta.

Meu maior desejo era que aquele tempo acabasse e eu fosse para a faculdade, onde poderia me filiar à juventude universitária do PCdoB e conviver com pessoas sem preconceitos, mas com muitas idéias e vontade de fazer a diferença. Estar ao lado de pessoas que assistiam Anos Rebeldes toda semana, passavam o dia inteiro ouvindo Andança e fediam a suvaco podre como eu. Só com muito suor se salva este país. Mas nesse instante, só o que me resta é a pergunta.

Vibrei com a resistência da Pátria Guia, Cuba, ao veto internacional e com a sustentação com que esse povo e seu paladino mostraram a todo o mundo que sim, era possível. Tinha sonhos recorrentes com o líder Fidel surgindo das águas, pegando o dedo do Tio Sam e enfiando-lhe rabo adentro. Era lindo! No entanto, a pergunta martela, sem resposta em minha cabeça.

Então realizei meu grande sonho. Fui a Cuba e fiz a minha leitura daquela realidade. O tal do mercado da prostituição, tão criticado pela pestilenta Rede Globo, nada mais é do que uma demonstração de que aquilo é produto para consumo estrangeiro, ou seja, uma falha no embargo - porcos capitalistas. A medicina, uma das mais avançadas do mundo, só não dá acesso a todos porque a tecnologia é coisa do capeta e impede que o homem se esforçe em busca do êxito. Quem dera nossos médicos fossem tão bons quanto os cubanos. Quem me dera, eles me respondessem à minha pergunta.

Que lugar! Que gente! Um povo guerreiro, que padece para mostrar ao mundo que é o sofrimento que torna valoroso o homem. Um povo apegado às suas raízes que se sacrifica pela sua dignidade e se submete à escassez de recursos pela sua honra. Todos pelo grande líder! Todos pela pátria! Assim, é claro, todos os fracos e desertores merecem mesmo o exílio e o esquecimento. Que deixem seu povo e vão viver vidas rasas, mesquinhas e sem significado em um país qualquer, que não os reconhecerão como seus. Façam o que quiserem, mas, pelo amor de Deus, me respondam à pergunta:

Fidel, se tudo é assim mesmo, por que diabos você foi tratar da sua ziquizira em Madri, seu velho filho da puta?! Tu tá caduco ou tá de sacanagem?!