Wednesday, February 14, 2007

A peça que nunca termina

A cronologia de uma tragédia no Brasil é ofensivamente previsível. Em um dia qualquer, os parâmetros do grotesco e da desumanidade, já absurdos no país, são ultrapassados. A barbárie contra um inocente como João Hélio desperta o clamor generalizado por justiça ou até mesmo por vingança. A polícia trabalha de verdade e caça todos os culpados. A caminho da cadeia, os bandidos são hostilizados, em cena devidamente filmada pelos grandes canais de televisão. Autoridades declaram que medidas enérgicas serão tomadas. Os parentes da vítima estão no Jornal Nacional. Em pouco tempo, chegam a Brasília pedindo soluções. O roteiro chega ao seu ápice: políticos compenetrados apertam mãos selando pacotaços e outros remendos à lei.

As novas medidas são comemoradas como vitória da democracia. A população e algumas celebridades globais vestem branco, saindo às ruas. A mídia apóia com alta dose de emotividade e sensacionalismo, celebrando os esforços pela paz. Alguns meses depois, a polícia ou até os próprios presidiários matam na cadeia alguns dos bandidos. Os pacotaços e as leis caem no esquecimento, sem sequer terem sido aplicados uma única vez.

Mesmo em casos como esse, de repercussão pública, esse ciclo de violência e morte é apresentado como algo breve. Não acredite nisso. Este ciclo nunca acaba porque é mais do que um ciclo. Não tem início ou final. É uma peça trágica, encenada todos os dias, todas as horas, todos os minutos. Nessa tragédia se repetem os mesmos personagens, as mesmas vítimas, os mesmos culpados e as mesmas falhas de script. Infelizmente, apenas o cenário muda sem parar. O cenário é o Brasil do passado. É o Brasil do presente. É, cada vez mais, o Brasil do futuro.

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