Friday, August 17, 2007

Narradores e espectadores

Pergunta: Pra que serve o Galvão Bueno? Gente, a pergunta é séria, portanto, respostas como “Pra falar merda”, por mais óbvia que seja, por mais que eu concorde e por mais que ela de fato condiga com a realidade, não serão consideradas.

Sério... pra que serve o Galvão Bueno? Certas coisas estão de tal forma presentes em nossas vidas que não nos damos do que elas são. Me responda então: pra que você, amigo amante do esporte bretão e perfeitamente saudável no que se refere às suas faculdades visuais, precisa de alguém narrando exatamente o que você está assistindo na tv? E então, consegui fazer com que você se sinta um perfeito idiota? Se esse narrador for o Galvão, você passa a se sentir mais idiota ainda?

Estava lendo outro dia algo a respeito do discurso midiático e da relação de poder que se estabelece a partir do que se chama “definição da realidade”. Em linhas simples, a idéia aponta que quem tem o domínio do discurso, dissemina sua versão de realidade, quem se coloca na possição passiva, aceita e assume essa verdade como sua. Então, o narrador esportivo tem a incumbência de te dizer o que você está vendo e o comentarista (profissão mais fácil do mundo, uma vez que o sujeito é pago para olhar e criticar, sem ter o compromisso de interferir diretamente na disputa, seja jogando, seja comandando) de interpretar, enquanto você assiste e aceita. Mas aí você vai me dizer: “Ah... mas eu acho o Casagrande um imbecil. Quase nunca concordo com ele”. E aí, eu pergunto: e daí ?

O esporte é apenas um exemplo, mas o fato é que essa aceitação é uma tendência que tem se espalhado de forma assustadora. Acostumados a receber impressões prontas de narradores e comentaristas esportivos, simulações da realidade impostas por novelas, filmes e seriados e de toda uma programação midiática, cada vez mais nos contentamos em observar. Acompanhar a vida dos personagens até que é divertido, além de ser mais seguro, já que as consequências dos atos de cada um se desenvolvem somente na trama. E Veja esse seriado que temos agora: um senador federal vende benefícios a empreiteiras e demais corporações em troca de favores financeiros. Ele sonega impostos, deixa de declarar o que deve e a imprensa relata cada um de seus negócios nebulosos. Tudo isso num ambiente em que a literal compra de influência é institucionalizada como prática corrente e normal, jogando no lixo todos os princípios éticos que exige a representação da voz de um povo. “Que safado!”, pensamos e seguimos esperando que o mocinho da história tome uma posição e tire o sujeito de lá. “Um dia, o povo vai acabar com toda essa safadeza”.

Aí eu te faço mais uma pergunta: de que adianta você dizer que não concorda com o que “a mídia te impõe” e que tem a sua própria opinião, se o principal da história, que é observar sem interferir e aceitar que alguém se dê ao direito de instituir uma visão do real, ainda que você não concorde com sua opinião, você já aceitou? Ou seja, meu querido, você é o “imbecil do Casagrande”.

Monday, August 06, 2007

Como se faz

- Primeiro você chama os mateiros e os peões. Tem que ser gente de confiança, assassinos arrependidos que querem trabalhar honestamente com terra e gado; refugiados naquela terra escondida, cujo nome só sabem aqueles que moram lá.

Os leva mata adentro atrás do jirico ou pick up, com galões de gasolina bem cheios, depois de ter ‘encercado’ o gado.

Tem que ser no dia bem quente e no final da tarde. Confirmando a direção do vento, se está contrário ao aceiro e nunca a favor do vizinho, vai-se jogando gasolina no mato e nas moitas pequenas e acendendo com isqueiros Bic. Depois, é só cuidar para não passar o aceiro do vizinho. Tem que ficar ‘esperto’ pois o fogo pode ‘virar’ a qualquer momento.

E não precisa esperar anoitecer para ver o começo da atrocidade e ouvir os gritos de animais silvestres e das árvores sofrendo horrores com o fogo incontrolável. O barulho é horrível, a fumaça e calor sufocam mesmo quando distantes. Não escapa onça, não escapa cateto, não escapa anta, cervos, macacos, cabras, paca, quati, nada. Destruição de uma forma que poucos viram ou verão. Depois, silêncio e estalitos, árvores mortas, a brasa, a devastação.

Tem que beber muita água. Nem se sabe de onde é a água, mas ela é quente e ‘braba’, no dia seguinte dá febre e diarréia explosiva. Nem se sabe se é a água, ou a fumaça maldita, mas ninguém escapa da ‘doença do fogo’. Não tem problema, só dura dois dias.

Aquilo que era verde, com árvores que só poderiam ser abraçadas por mais de seis pessoas, com plantas magníficas não encontradas em nenhum outro lugar no mundo e fauna de parte de um paraíso, deixam de existir. É a formula do homem para que o céu sempre azul encontre na terra o cemitério da perfeição.

Nessa área nunca mais casais de araras azuis ou coloridas com seus gritos alegres aparecerão, ou urubu rei imponente ou a coruja cinza que avisa os habitantes da floresta que o homem chegou. Nessa área somente alguns tocos queimados mostram vida, o lugar fica escuro, dá a sensação de morte. Mateiros mais supersticiosos querem logo ir embora, para não serem castigados pelo ‘Pai da Mata’.

A terra, agora negra, ainda será habitada por um verde rasteiros das pastagens, o gado branco pastará, alguns cavalos correrão por ali, mas isso ainda vai demorar.

Agora tem que pagar os mateiros e peões, fazer recibo de R$ 15,00 para cada um, não perguntar o sobrenome da maioria para não levar tiro, já avisar que depois ‘da chuva’, tem serviço de ‘roçar a juquira’ – isso para fazer política e não arrumar inimizade com aqueles que podem te matar se achar que os reconheceu do Linha Direta.

Depois, tem que avisar o IBAMA que algum bandido ‘colocou fogo nas terras', dar queixa na delegacia, fazer toda a burocracia não só para não ser multado, mas também para não pagar propina para agentes diversos, desde IBAMA até do INCRA.

Meu pai tem terras lá em Aripuanã, MT. Faz divisa com a floresta amazônica...