Monday, August 06, 2007

Como se faz

- Primeiro você chama os mateiros e os peões. Tem que ser gente de confiança, assassinos arrependidos que querem trabalhar honestamente com terra e gado; refugiados naquela terra escondida, cujo nome só sabem aqueles que moram lá.

Os leva mata adentro atrás do jirico ou pick up, com galões de gasolina bem cheios, depois de ter ‘encercado’ o gado.

Tem que ser no dia bem quente e no final da tarde. Confirmando a direção do vento, se está contrário ao aceiro e nunca a favor do vizinho, vai-se jogando gasolina no mato e nas moitas pequenas e acendendo com isqueiros Bic. Depois, é só cuidar para não passar o aceiro do vizinho. Tem que ficar ‘esperto’ pois o fogo pode ‘virar’ a qualquer momento.

E não precisa esperar anoitecer para ver o começo da atrocidade e ouvir os gritos de animais silvestres e das árvores sofrendo horrores com o fogo incontrolável. O barulho é horrível, a fumaça e calor sufocam mesmo quando distantes. Não escapa onça, não escapa cateto, não escapa anta, cervos, macacos, cabras, paca, quati, nada. Destruição de uma forma que poucos viram ou verão. Depois, silêncio e estalitos, árvores mortas, a brasa, a devastação.

Tem que beber muita água. Nem se sabe de onde é a água, mas ela é quente e ‘braba’, no dia seguinte dá febre e diarréia explosiva. Nem se sabe se é a água, ou a fumaça maldita, mas ninguém escapa da ‘doença do fogo’. Não tem problema, só dura dois dias.

Aquilo que era verde, com árvores que só poderiam ser abraçadas por mais de seis pessoas, com plantas magníficas não encontradas em nenhum outro lugar no mundo e fauna de parte de um paraíso, deixam de existir. É a formula do homem para que o céu sempre azul encontre na terra o cemitério da perfeição.

Nessa área nunca mais casais de araras azuis ou coloridas com seus gritos alegres aparecerão, ou urubu rei imponente ou a coruja cinza que avisa os habitantes da floresta que o homem chegou. Nessa área somente alguns tocos queimados mostram vida, o lugar fica escuro, dá a sensação de morte. Mateiros mais supersticiosos querem logo ir embora, para não serem castigados pelo ‘Pai da Mata’.

A terra, agora negra, ainda será habitada por um verde rasteiros das pastagens, o gado branco pastará, alguns cavalos correrão por ali, mas isso ainda vai demorar.

Agora tem que pagar os mateiros e peões, fazer recibo de R$ 15,00 para cada um, não perguntar o sobrenome da maioria para não levar tiro, já avisar que depois ‘da chuva’, tem serviço de ‘roçar a juquira’ – isso para fazer política e não arrumar inimizade com aqueles que podem te matar se achar que os reconheceu do Linha Direta.

Depois, tem que avisar o IBAMA que algum bandido ‘colocou fogo nas terras', dar queixa na delegacia, fazer toda a burocracia não só para não ser multado, mas também para não pagar propina para agentes diversos, desde IBAMA até do INCRA.

Meu pai tem terras lá em Aripuanã, MT. Faz divisa com a floresta amazônica...

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