Thursday, September 28, 2006

Debate

Após uma hora e meia de debate, com o rosto já pálido e o suor escorrendo pela testa, o candidato-presidente sofre golpes cada vez mais duros dos outros concorrentes ao cargo. A trégua ocorre por breves momentos, sempre que seus adversários fazem mímicas uns para os outros desenhando no ar cuecas, vampiros e ambulâncias. Nesses lapsos, seus pensamentos procuram algum consolo nas pesquisas que há poucas horas o faziam se sentir imbatível. Mas o alívio dura pouco e logo a chuva de denúncias, escândalos e cobranças volta com toda a força.

Os demais debatedores chegam a um consenso inédito. Como as regras do debate impedem que se dirija a palavra todas as vezes ao preferido das massas, os candidatos improvisam. Em uma aliança impensável, eles começam a perguntar uns aos outros e até a si próprios sobre os escândalos envolvendo o presidente e seus asseclas.

O candidato está cada vez mais tenso, sua argumentação é nervosa. O português, sempre derrotado por ele, desta vez se nega a entrar no ringue. O arrependimento é um adversário ainda mais ferrenho e bate com força inédita. Ele lembra da preparação árdua ocorrida logo após o jantar desta noite e pensa que poderia ter antecipado, talvez para antes da deliciosa feijoada, o encontro com seus assessores. Pensa que poderia ter deixado de assistir a novela das oito pelo menos hoje ou que deveria ter aproveitado os comerciais para repassar rapidamente as instruções valiosas de seus assistentes.

Como o chefe da nação se limita a dizer que não sabia dos movimentos escusos de sua equipe, seus oponentes passam a apelar. Eles não se limitam mais a apenas perguntar, mas também começam a responder pelo seu alvo. Dentre eles, um se destaca pela excelente interpretação, tirando do bolso uma barba postiça e fazendo analogias medíocres entre o trabalho de um gandula e a compra do avião presidencial.

A audiência vai às alturas. Cientes do fato, os debatedores passam a silenciar na hora de fazer perguntas ao pai dos pobres. Apenas esperam o tempo passar e perguntam a outro candidato, que prontamente se faz passar pelo presidente. Após duas rodadas de perguntas, sem pronunciar uma palavra, já com todos os demais utilizando barbas postiças, o dono da única barba legítima lança sua última investida. Observando o sucesso das imitações feitas por seus adversários, ele olha de maneira comovente para os céus e afirma que assim como Cristo, estava sendo traído e crucificado injustamente.

O silêncio é geral, não pela declaração absurda, mas pela aparição súbita de um metalúrgico muito semelhante ao próprio presidente, porém com um rosto vinte anos mais jovem. Com muita calma, o presidente se levanta, dá um singelo beijo no rosto do sósia e sai de cena. Os debatedores estão nervosos. A palavra está com o metalúrgico.

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