Friday, May 04, 2007

O Rei

O Rei andava incomodado. Sua vida era agora literalmente um livro aberto. Um fedelho metido a jornalista, após 15 anos à sua volta, remexendo detalhes do seu passado, enfim lançava a biografia real. Ninguém pedira ao Rei autorização para contar sua história. E o Rei tinha dificultado essa empreitada ao máximo. Na década e meia de pesquisa feita pelo incansável admirador, o Rei ignorara sua insistência plebéia com rigor típico das mais refinadas dinastias. Nesse tempo todo, não havia se preocupado nem mesmo em olhar para a insignificante criatura.

No entanto, a corte real, não vendo mal algum em contar a trajetória gloriosa do Rei, abasteceu o livro em gestação. O próprio Rei acabou revelando alguns detalhes, em diversas declarações dadas em épocas remotas, a outros jornalistas mais comportados. Mesmo com tantos empecilhos ao seu trabalho, o fascínio do jovenzinho repórter pelo Rei só aumentava. Tinha toda a obra cultural do Rei devidamente guardada. Colecionava tudo que envolvia seu ídolo. Recortava e arquivava entrevistas, fotos e mini-biografias feitas por revistas.

Ninguém poderia fazer algo assim e ainda sair impune. O Rei precisava manter sua aura. Era um Rei como jamais houve. Seus feitos trouxeram uma nova era. Proibiu em sua terra o uso do marrom, aquela cor maldita, a favorita do próprio demônio. Fez todos os seus súditos abolirem palavras negativas. Alterou e deixou de executar parte de sua própria obra, a fim de corrigir equívocos que poderiam incentivar a libertinagem e outros maus hábitos. Sacrificou a qualidade de cada canção sua, adotando a temática mais patética possível, para assim tornar sua mensagem popular entre os intelectualmente menos privilegiados daquele reino perfeito. Agora não seria diferente. Para restaurar a harmonia em seu mundo, mostraria mais uma vez sua sabedoria e tiraria de circulação aquela obra profana.

Ninguém poderia relembrar agora, justo quando consolidava sua imagem de Rei, dos atos rebeldes daquele outrora plebeu atrevido. Aquele moleque conquistava as mulheres mais desejadas da nação, decidia brigas no braço e varava as noites compondo melodias e letras cheias de atrevimento. Sua presença de espírito era contagiante, cativava qualquer que estivesse por perto. Esse não poderia ser um Rei. Uma pessoa assim não passava de um plebeu colecionador de amigos e fãs. E destes, o tal jornalista insistia em ser um dos mais ardorosos. Um Rei não pode se rebaixar assim, um Rei não precisa de amizades, um Rei se limita a acumular súditos.

1 comment:

Anonymous said...

Nunca gostei do Roberto Carlos, com esse lance, gosto menos ainda. Isso se aplica aquela lixo do Pelé.