Wednesday, March 28, 2007

Canções

Sempre há algo de triste quando se compõe para alguém. Diferente de uma fotografia, por exemplo, uma canção não desbota. Não há como rasgá-la. Você não pode nem mesmo jogá-la em uma velha caixa de sapatos. Aquela melodia vai te assaltar no meio da mais banal de suas atividades. Na curta ponte entre vigília e sono, vai despertar em você cheiros, imagens e até promessas de um futuro impossível.

De alguma forma, essa consciência está ali desde o primeiro acorde. Deveria exigir décadas de reflexão, mas a coisa toda é de uma beleza tal que você simplesmente não questiona quando seus dedos e sua voz começam a escolher aqueles caminhos sem volta.

É uma decisão perigosa musicar sentimentos para alguém. Tudo que você é está condensado naquele momento. É pura embriaguez de alma. As represas dos sentimentos desabam, o que flui não molha, apenas devora como o fogo tudo que encontra pela frente. A pessoa amada nunca seria capaz de compreender.

Compor é firmar uma aliança muito mais poderosa do que aquela que se coloca no dedo. A sua própria lembrança se torna discriminatória. Passa a abrigar somente as mulheres melodiosas. Nesse caminho, muitas poderão render boas músicas. No entanto, poucas delas, talvez apenas uma, será dona de uma canção.

O sentimento vai desaparecer, junto com os bons momentos, os risos, os mistérios do corpo outrora idolatrado. Inicialmente, será tudo soterrado pela mágoa. No entanto, de alguma forma tudo isso sobreviverá, mas a partir daí pulsará sem força, fadado a desaparecer no momento errado. Nessa hora, aquela canção vai invadir sua mente. Então você descobrirá o que é a verdadeira tristeza. As melodias nunca vão sumir.

Apenas vão deixar de significar algo para você.

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