Wednesday, March 28, 2007

Canções

Sempre há algo de triste quando se compõe para alguém. Diferente de uma fotografia, por exemplo, uma canção não desbota. Não há como rasgá-la. Você não pode nem mesmo jogá-la em uma velha caixa de sapatos. Aquela melodia vai te assaltar no meio da mais banal de suas atividades. Na curta ponte entre vigília e sono, vai despertar em você cheiros, imagens e até promessas de um futuro impossível.

De alguma forma, essa consciência está ali desde o primeiro acorde. Deveria exigir décadas de reflexão, mas a coisa toda é de uma beleza tal que você simplesmente não questiona quando seus dedos e sua voz começam a escolher aqueles caminhos sem volta.

É uma decisão perigosa musicar sentimentos para alguém. Tudo que você é está condensado naquele momento. É pura embriaguez de alma. As represas dos sentimentos desabam, o que flui não molha, apenas devora como o fogo tudo que encontra pela frente. A pessoa amada nunca seria capaz de compreender.

Compor é firmar uma aliança muito mais poderosa do que aquela que se coloca no dedo. A sua própria lembrança se torna discriminatória. Passa a abrigar somente as mulheres melodiosas. Nesse caminho, muitas poderão render boas músicas. No entanto, poucas delas, talvez apenas uma, será dona de uma canção.

O sentimento vai desaparecer, junto com os bons momentos, os risos, os mistérios do corpo outrora idolatrado. Inicialmente, será tudo soterrado pela mágoa. No entanto, de alguma forma tudo isso sobreviverá, mas a partir daí pulsará sem força, fadado a desaparecer no momento errado. Nessa hora, aquela canção vai invadir sua mente. Então você descobrirá o que é a verdadeira tristeza. As melodias nunca vão sumir.

Apenas vão deixar de significar algo para você.

Wednesday, March 21, 2007

Um homem de palavra

Bush está cumprindo sua palavra. Ao custo de 290 bilhões de dólares, o governo devastou completamente o Iraque. A exportação de tâmaras e petróleo, fontes principais de divisas do país, foi reduzida a nada. Graças a isso, o período de ocupação tem sido marcado por constantes crises na indústria petrolífera.

A infra-estrutura do país é mínima. Não há luz e água durante boa parte do dia em quase todo o país. Os gastos militares continuam a aumentar, serão 624 bilhões apenas em 2008.

Outros números também impressionam, cerca de 66 mil iraquianos foram mortos. Entre eles, mulheres, crianças e outros civis que nada têm a ver com a tal Guerra ao Terror. Mais de 3 mil soldados americanos foram mortos no Iraque desde a invasão. Não pense que isso aconteceu na cinematográfica ação militar contra Saddam e seu poderoso exército de desnutridos. Não, 90% dessas mortes ocorreram durante a celebrada redemocratização do país.

Em casa, o Partido Republicano perdeu a maioria. O nível de governabilidade é cada vez menor. Um Tribunal Internacional pretende processar o casal pólvora, Bush e Blair, pelos crimes cometidos no Iraque. O apoio ao governo Bush é o menor desde o início de seu mandato. Os gastos com a manutenção de tropas no Afeganistão e no Iraque já começam a emperrar a locomotiva americana, tornando inviável qualquer confronto em outros fronts.

A paranóia com segurança continua. Tente embarcar pros EUA com uma barba à Los Hermanos. Guantanámo pra você na certa. Bin Laden continua solto, não há nem sinal de seus passos. O anti-americanismo nunca foi tão grande. Manifestações explodem a todo momento, inclusive em território gringo. Os pais americanos temem um novo Vietnã. Motivos não faltam, Bush pretende aumentar o efetivo no Iraque.

No aniversário de quatro anos da invasão ao Iraque, Bush mantém sua palavra. É desmontada aos poucos a maior arma de destruição em massa que já houve: seu próprio país. Congratulations, Mr. Bush!

Friday, March 16, 2007

Metáforas...

O livro sagrado diz que a vinda do anti-Cristo será precedida de acontecimentos cataclísmicos. As trombetas do apocalipse soarão, o dia virará noite, as estrelas sumirão do firmamento, o Flamengo será campeão brasileiro e tudo mais.

Nas últimas semanas, o mundo tem acompanhado uma série de sucessivos fatos que não são propriamente cataclísmicos: Zé Dirceu pede anistia, Alemão é eleito o coitadinho do BBB, Britney Spears ensina o mundo como transformar um sex symbol (contestável, ok) em tribufu de asa em 2 lições, Ilsinho é convocado pra seleção... Aí fica a pergunta: que tipo de desastre acompanharia acontecimentos tão patéticos?

Pinky e Cérebro estiveram reunidos há uma semana em São Paulo para discutirem política internacional. Cérebro não precisa mais conquistar o mundo, ele já preside a principal potêncial bélico-econômica do planeta - o que não o impede de continuar sendo o completo imbecil de sempre. Pinky, mais modesto, aceitou um simpático país de terceiro mundo.

O fato é que velhos amigos se reuniram para conversarem amenidades e nos brindar com as velhas merdas de sempre. A principal delas, partiu de Pinky. Em tempos de preocupações ambientais renovadas e dos sempre atentos olhares para a nossa Floresta Claudiohânica - digo Amazônica - nosso nobre Presidente, ao analisar as posições de Brasil e EuA nessa sacanagem internacional, espalha aos 4 ventos que é preciso que os dois países encontrem o Ponto G da relação para que então possam caminhar em consonância de idéias - ou para o lance rolar gostoso, aprofundando a analogia usada pelo nosso presidente.

O Ponto de Gräfenberg é, teoricamente, uma região do canal vaginal a qual, uma vez atingida e estimulada, conduz a mulher a uma onda de incomensurável prazer. Algo somente comparável (para ela) a uma hipotética situação na qual ela estaria num oasis de grifes internacionais de ponta (Gucci, Versacci, Rauph Loren, Victoria's Secret, Louis Vuitton...), não com ticket ilimitado - porque nós sabemos que seu maior prazer não está no consumo, mas no gasto em si – mas como o prêmio da mega sena disponível para compras.

Analisando somente este trecho, interpretamos que o que Pinky quer é uma relação que seja prazerosa/proveitosa para ambas as partes, não somente um gozo parcial. Uma vez encontrado esse ponto, a harmonia estaria estabelecida. Essa colocação vai do lamentável ao risível e me faz perguntar a mim mesmo quem foi o miserável que tirou o Duda Mendonça do lado do presidente. Nos tempos de briga de galo, ele não falava tanta merda, em analogias tão pueris e descabidas.

Por outro lado novos contornos são evidenciados quando analisamos todo o contexto da mensagem e nos damos conta de que o Ponto G ainda é uma teoria controversa, é algo não cientificamente comprovado e que, portanto, é uma região que pode, inclusive, não existir. Peraí... quer dizer que nosso presidente, com histórico vermelho, passado sindicalista e anti-americano em essência, pode estar aprofundando em vários níveis sua metáfora, apontando para um ponto de concordância que não existe? Estaria ele dizendo em outras palavras que tal harmonia é paradoxal em essência? Estaria ele sustentando seu discurso sobre uma analogia que poucos líderes internacionais alcançariam – o que, evidentemente, não é o caso do limitado George W. Bush?! De quem é esse texto? Quem pensou isso para o nosso presidente?

Porque, vamos combinar, imaginar que ele chegou ao ponto de escrever algo com tamanha profundidade já é querer demais, né não? Bom, meu amigo, aí é mais fácil acreditar na hipótese 1 e chamar o Duda de volta, ou, quem sabe, começar o meu próprio plano de conquistar o mundo.

Wednesday, March 14, 2007

Um sincero apelo

Você pode arrastar sua cabeça por campos inteiros das mais cheirosas rosas do planeta. Lavar o cabelo oito vezes por dia. Usar perfume como gel. Não adianta. Jamais você vai reproduzir em sua cachola o cheiro inexplicável dos cabelos de uma mulher.

Entre outras muitas, essa é uma desvantagem biológica notável. A história humana foi feita graças a essas diferenças. Afinal, para compensar nossa distância desse ser maravilhoso chamado mulher, construímos pontes, exploramos o sistema solar, erguemos arranha-céus e fizemos outras proezas mais. Pensa que todo astronauta não pensa em levar aquela deusa pra um passeio à luz do luar pra contar que lembrou dela ao olhar pra esse lindo planeta azul?

As feministas já devem estar bufando de raiva, dizendo que as mulheres também são capazes de feitos notáveis. Pura verdade. Afinal, aqui não se tenta defender qualquer virtude do macho alfa. Longe disso.

Trata-se de um apelo. Mulheres do mundo, vocês não precisam provar mais nada. Para o bem da humanidade, não dêem cantadas, não bebam até vomitar, não lutem boxe, não joguem futebol e por favor, jamais, nunca, raspem suas cabeças.

Igualdade entre os sexos tudo bem, mas pera lá, estamos falando do cheirinho de cabelos femininos! Um mundo com cantoras como Britney Spears é aceitável. Agora, a Britney careca é o sinal definitivo do final dos tempos para qualquer sociedade de consumo que se preze.

Friday, March 02, 2007

Cegos

Quando a Igreja Evangélica ganha espaço na mídia, geralmente é por causa de algum escândalo. O tom de denúncia domina os noticiários e logo velhos estereótipos são reforçados. É claro que a mídia faz seu papel, apontando líderes religiosos realmente pilantras. No entanto, a maneira como são encarados os evangélicos não só nesses episódios, mas rotineiramente, é bastante curiosa. Para muita gente, parece inexplicável o crescimento desse contingente de fiéis, atualmente na marca dos 24 milhões de pessoas. Burrice, ignorância e fanatismo são características constantemente associadas aos adeptos das denominações evangélicas.

Cresci durante boa parte de minha infância dentro de uma dessas mesmas igrejas entendidas como parte do balaio dos tais crentes fanáticos. No entanto, o tempo passou e devo dizer que poucas vezes nos últimos anos compareci a uma dessas igrejas. Cheguei até a engrossar o coro preconceituoso contra certa parcela dos evangélicos.

Ontem, atendendo um convite sempre recorrente de minha avó, evangélica a quem muito admiro, decidi fazer uma visita à sua congregação, a Assembléia de Deus. Porém, dessa vez, entrei lá despido de preconceitos.

O lugar era simples, um pequeno salão abrigava os cerca de vinte alegres fiéis. Já na entrada, fui saudado com entusiasmo por pessoas que jamais havia visto na vida. Conversavam comigo com sinceridade no olhar, enaltecendo minha presença. Foi inevitável não me sentir acolhido e entre amigos.

Iniciado o culto, a esposa do pastor comandou com vigor a cantoria, composta por timbres roucos, agudos e graves, em sua maioria bastante desafinados. Isso não pareceu importante naquele momento, todos cantavam a plenos pulmões, como se aquela fosse a grande ópera de suas vidas. Não havia qualquer instrumento musical para acompanhá-los, as notas vinham diretamente do coração de cada um dos fiéis.

Em outro momento, duas meninas foram à frente para fazer um dueto. Para minha surpresa, cantaram muito bem, com uma emoção que muitas divas do pop apenas ensaiam ter.

È grosseiro o que vou escrever, mas é importante citar certos detalhes. Uma das meninas cantoras devia ter uns 16 anos, era bastante gorda, com roupas bem antiquadas e um problema de pele bem evidente, que causava manchas brancas que se espalhavam claramente por boa parte de sua pele. Qualquer adolescente que eu conheço não sairia de casa em tais condições.

Nada disso era importante. A cada agudo certeiro da menina, ficava evidente a empolgação de todos, demonstrada também com muitos aplausos ao final de cada uma das três músicas apresentadas. E ela sorria, cantava, agradecia pela chance de estar ali à frente, completamente exposta a um estranho como eu.

Essa apresentação vigorosa contrastou com a seguinte. Uma mulher, de olhar sempre baixo, pediu oportunidade para cantar. Sua voz era fraca e tinha dificuldade para manter a entonação da música. Na platéia nada mudou, o entusiasmo era o mesmo. A mulher deixou o palco improvisado sob aplausos calorosos, com um sorriso que se esforçou para ocultar.

Verdadeiros brados de vitória eram dados, as pessoas sorriam e batiam palmas. Logo depois, a esposa do pastor cedeu a palavra a uma senhora humilde. Ela começou a ler um pequeno trecho da Bíblia. Confesso que não lembro bem qual, não só por minha memória ruim, mas pela leitura truncada e cheia de erros, típica de pessoas com falhas de alfabetização. Quando ela terminou, nova surpresa, todos aplaudiam, inclusive eu.

O momento mais esperado da noite enfim chegava. O pastor se dirigiu à frente com um largo sorriso e Bíblia na mão. Com paixão, falou sobre a cura de um homem visto pela sociedade como alguém inferior, insignificante. Ninguém deixava aquele homem chegar perto de Cristo. Ele conseguiu sua cura literalmente no grito, abrindo espaço entre a multidão. Esse homem queria ver, era cego.

Não me deparei com ninguém cego naquele culto. Mesmo assim, acontecia ali um milagre de proporções bíblicas, se considerarmos os dias em que vivemos. Aquelas pessoas queriam algo mais importante do que ver, elas queriam ser vistas.

Isso tudo não explica apenas o sucesso de tantas denominações evangélicas. Explica também o fracasso de um mundo que debocha de algo mais sagrado do que a igreja, pastores, padres ou estátuas. O ser humano.