Tuesday, December 19, 2006

Monstros

Tempos atrás, os monstros eram os maiores causadores da insônia infantil. Sua lenda era proporcional ao medo que causavam nas mentes pouco vividas. Eram figuras como o velho do saco, o bicho-papão, as bruxas das mais variadas especificações... além desses, existia também o lado mais artístico da família do mal, com Freddy Krueger, Jason e ainda outros de menor envergadura como o Zé do Caixão. Guarda-roupas abertos se tornavam portais para as trevas, das quais emergiam os temidos seres, movendo-se entre as sombras, sedentos por pequenos pés que eventualmente ficassem descobertos pelo edredom.

A reação aos demoníacos invasores começava pelo rosto escondido debaixo das cobertas. Se isso não fosse suficiente, o abajur era ligado instantaneamente e, se mesmo assim, essas armas poderosas falhassem, bastava juntar as mãos e lembrar daquela oração difícil de decorar: o Pai Nosso. Quando o pavor atingia seu grau máximo, sempre restava a fortaleza final, o quarto dos pais, lá nenhum dos inimigos tinha a coragem de entrar.

Entre os anseios infantis para se livrar desse medo, tinha lugar especial a idealização da vida adulta, como uma libertação final daquele terror inexplicável. O tempo passa, a terra gira em volta do sol apenas algumas vezes mais e lá está ela. A maturidade chega e fica claro que existiam problemas maiores na vida do que o tema de casa. Os monstros vão se tornando uma piada diante do desemprego, da violência e da miséria, ou seja, a realidade finalmente é apresentada sem rodeios à outrora ingênua criança.

Com alguma persistência, é possível continuar olhando, quando necessário, nos olhos dessa senhora horrorosa chamada realidade. Porém, quando dois bandidos, da mais desprezível espécie, queimam viva uma família inteira e destróem com crueldade absurda os sonhos do pequeno Vinícius, de apenas cinco anos de idade, é impossível continuar a ser adulto. O terror inexplicável da infância retorna, mas dessa vez não há artifícios contra o mal. Os pais tampouco podem fazer algo, seu medo é tão grande quanto o dos filhos. Isso por uma simples razão: nesses dias ambos são forçados a acreditar em algo muito pior do que monstros: a maldade humana.

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