Tuesday, January 09, 2007

Segundos

Foi há dias atrás. Era um momento raro, no qual se tornou evidente a urgência de passar para o papel algo importante demais para ser deixado no computador. Estava indo buscar folhas para alimentar a impressora (não sei como ela não morreu de inanição ainda) e então veio aquele lampejo imbecil.

Provaria ao meu intelecto cínico e moldado pelo modo de vida capitalista a capacidade de preservar ainda algumas trincheiras. Construiria a obra máxima da engenharia aeronáutica infantil. Antes de iniciar os trabalhos, a confiança era total, nem sequer um segundo de hesitação seria registrado. Meros quinze anos não poderiam apagar a certeza e a habilidade praticamente tatuadas nas profundezas da minha alma, tão densas como o intelecto de um ex-BBB.

O momento da primeira dobra no papel ainda estava encardido pela auto-confiança, e, por alguns momentos, a situação continuou assim, até ser seriamente abalada pela segunda manobra. A terceira tornaria inviável toda a sustentabilidade do projeto, tornando obrigatória a reconstrução do modelo. As cerca de quatro tentativas posteriores revelaram minha total inaptidão em elaborar um avião de papel que permanecesse no ar por aqueles poucos e infinitos segundos.

A frustração era inédita, os aparatos da vida moderna não preparam o ser humano para algo assim. Claro que bastaria abrir o Google e resolver tudo sem muita queima de neurônios. Sem muito esforço, poderia até ter encontrado informações na internet sobre modelos com as mais bizarras matérias-primas, de árvores de reflorestamento a rolos de papel higiênico. Até simulação do 11 de setembro em versão celulose já deve estar rolando no Youtube..

A coisa toda era um pouco mais complicada. Mais do que resgatar as habilidades infantis na construção aeronáutica, precisaria buscar algo mais importante: talvez criatividade, inocência ou, sei lá, um psiquiatra. Uma coisa era certa: teria que pensar por mim mesmo.

Fora de cogitação. Hoje em dia, não ter alguém te dizendo o que fazer o tempo todo é perder o norte do caminho rumo à Ilha de Caras. Como eu manteria meu tão descolado estilo de vida? Que chances eu teria no próximo Big Brother?

Preferi transformar o promissor projeto em uma bola de papel e arremessá-la longe com certa raiva e uma melancolia bem específica. Aposto que voou mais tempo do que voaria o maldito aviãozinho. Mesmo assim, foram poucos segundos, mas dessa vez, nem um pouco eternos. Saudades da infância.

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