Saturday, November 25, 2006

Fetiche do Loirão

Trago da infância o medo da Cuca, da bruxa de verruga no nariz e da minha versão para aquela música “era uma casa muito engraçada...”, que para mim se localizava na Rua dos Lobos, um lugar sombrio de minha imaginação. Hoje, no entanto, um novo personagem passou a habitar meus pesadelos, e nem sei ao certo o que a respeito dele me assusta.

Por cerca de dois meses saí com um cara – um cara “com referência”, como uma amiga costuma falar. Logo de início soube que ele estava de mudança marcada para a Europa, mas resolvi deixar a vida me levar. É claro que a dita cuja me levou diretamente para o tal rapaz. Saímos várias vezes até que, quando percebi, já conhecíamos família, casa, amigos, falávamos por telefone como antibiótico, três vezes ao dia, e o assunto da viagem para a terra de Bono Vox nunca era tema de conversa.

No meio desse – na falta de outra palavra, vá lá – namoro, cheguei a pensar em indagar o rapaz sobre seus planos de tornar-se pastor de ovelhas ou terrorista católico em uma ilha fria, mas adiei. Semanas se passaram, até que nos vemos numa sexta-feira, juntos, na Casa da Matriz. Nós, nossos amigos, um programa normal. Num dado momento, ele anunciou que iria ao segundo andar com seu amigo. Nada mais normal, eu havia acabado de borboletear com minha companheira. Por coincidência, resolvemos subir logo depois. Ao chegarmos à outra pista de dança, deparamo-nos com ele aos beijos com uma mulher loira - não que, até então, isso fizesse alguma diferença.

Em direção à saída, atordoada com o que tinha visto, resolvi voltar e dar-lhe o crédito da dúvida. Dirigi-me a ele – a essa altura, já sentado com o braço ao redor de sua nova conquista – e, incrédula, perguntei: “você está ficando com ela?”. Ao que, sem se mexer, respondeu que sim. Nunca saí tão rapidamente de um lugar.

Nessa história toda, foi a reação do tal rapaz o que mais me intrigou, parecia tomado por uma inércia estranha. Não se importou em dar satisfação, desculpar-se. Chegou a me procurar, insistentemente, com telefonemas, flores e pedidos de outra chance, mas não tinha noção real da bizarrice de seu feito. Para ele – acho – era inevitável, praticamente uma obrigação, render-se ao ataque na pista escura. Afinal, ele é jovem, estava de viagem marcada, despedia-se do Rio com toda uma vida pela frente, devia mais é aproveitar o momento... Ou, como resumiu de maneira mesmo ingênua à minha amiga e defensora, “foi o fetiche do Loirão”.

Muito bem, que um ser humano tenha preferência por pessoas com cabelo de cor clara, eu posso compreender. Até sua falta de educação e de respeito não me incomodaram tanto. O que realmente me fez perder o sono foi a sensação de que tudo aquilo era normal. Tempo depois, acusou-me de parecer não me importar com sua partida. Então, fui eu a culpada, seja por ter sido muito confiante ou apenas conformada. Fato é que, entre a mulher neurótica e a segura que eu poderia ter sido – e, acreditem, podemos ser as duas facilmente – ele ficou com o “fetiche”. De feitiço, objeto inanimado ou parte do corpo a que se atribui poder sobrenatural. Não há dúvida, “enfeitiçado” o sujeito não é responsável por suas ações. A escolha de tal palavra parece dizer mais de um momento do que de uma pessoa apenas, e essa apatia me assusta ainda mais do que o próprio “Loirão”. Para isso, não há tinta colorante que dê jeito.

7 comments:

Anonymous said...

Muito bacana!!!!
Loirão também é cultura!!!

Anonymous said...

não dá pra brincar com o loirão mesmo...rs
e o pior é q vc pode se tornar uma tb em breve....hahaha...
parabéns, querida!
pelo texto e por sobreviver ao loirão!
beijos

Anonymous said...

divertido e bem escrito..
seu texto mostra como podemos ver os fatos e dores que nos acometem apenas como fatos pontuais.
o loirão não derruba ninguém, o que precisamos é saber que o babaca nem merece nosso crédito.

Anonymous said...

O problema da tensão muscular é a câimbra que vem depois. Se é que você me entende.

Bela estréia, caloura!

Blaithin De Bríd said...

Adorei seu post!!!

Beijo!

Anonymous said...

hahahah muito bom!! O que importa é manter a pose enquanto o Loirao tá em cena! ;)
Adorei que o blog rolou realmente, amiguinha!! Tem q divulgar!!! :)
bjkas

Anonymous said...

adorei marcelinha! espanta esse fantasma. o texto está muito legal. e a atitude foi nota mil! que esse cara se exploda com o fetiche do loirão dele!