Tuesday, October 31, 2006

75 centavos

Como todo estagiário, sou um habitante daquele limbo trabalhista que não me dá direito a certas regalias que todo funcionário recebe. Uma das conseqüências de ser um espectro corporativo é ter que pagar todos os dias pelo estacionamento. O valor do dito cujo é de absurdos R$ 2,75. Naturalmente, sempre pago com R$ 3 ou um pouco mais, valores temidos pela simpática atendente da empresa que administra o estacionamento. Seu nervosismo é notável, a falta de troco parece ser uma situação corriqueira, não importando quantos quilos de moedas tenham abastecido logo pela manhã o quiosque fashion da menina.

Mas a funcionária é uma trabalhadora de fé, por semanas a fio pude comprovar sua inabalável crença no mito do valor exato no bolso de cada usuário. Todos os dias, ao pagar o estacionamento, eu ouvia da crédula e alegre jovem: “Você teria 75 centavos?”. E eu nunca tinha, ou melhor, até tinha algumas vezes, mas minha disposição em catar as benditas moedas sempre era menor que minha pressa. A atendente até tentava aliviar a coisa pro meu lado, dizendo que 25 centavos já ajudariam bastante, mesmo assim, foram raras as vezes em que atendi seu pedido. Isso durou meses.

Semana passada algo aconteceu. No lugar da alegre saudação e das curtas e fúteis conversas, apenas um boa tarde sem graça. Minhas surradas notas de um real foram friamente recebidas. O troco, uma mísera moeda, veio de maneira automática. Ao invés de ser levemente deixada em minhas mãos, a moeda foi simplesmente empurrada por debaixo do vidro, quase rachado pelo vento ártico vindo do olhar descrente da outrora simpática atendente. E a pergunta não veio, apenas um singelo “obrigada”.

Desde então, tenho feito um esforço sobre-humano para trazer todos os dias exatamente o valor do estacionamento, mas não adianta. Não há mais clima. Mais uma pessoa deixou de acreditar em mim. Tudo por causa de míseras moedinhas. Por isso não entendo como milhões de reais roubados, dossiês falsos, dólares na cueca e outras maracutaias mais não fazem qualquer diferença. As pessoas ainda acreditam.

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